quarta-feira, 4 de março de 2009

Objectivamente falando

O Pintinho, meus senhores, é um extremo à moda antiga. Tem um futebol clássico, que deve ser apreciado bem de perto. Em vias de extinção, como o lince da malcata ou os enchidos regionais, não é experiência para ser fruida pelos fracos de corpo ou de espiríto. Quem a Loulé se dirigir num fim-de-semana desportivo, deve munir-se de muita calma, porque o espectáculo meus senhores, ainda que deleite os olhos é pleno de arrepiantes arrancadas e dribles.
Com uma fiel falange de apoio, que o acompanha em semanas alternadas, resiste ao tempo como uma imponente sequóia. Não lhe falem de transições pra frente e transições pra trás que o futebol para ele é o que sempre foi – um para um e bola no ponta-de lança. O problema é encontrar, nos tempos que correm, um ponta-de-lança à moda antiga. Que desperdício, meus senhores. O Pintinho surge pela direita, surge pela esquerda, sempre na mesma faixa de terreno, que conhece como a palma dos pés, respaldado pelo calor e apoio das suas gentes, que de perto o acompanham. Todos nós sabemos, e em surdina comentamos, que é o último da sua espécie. Mas falta-nos a coragem para dizer em voz alta esta verdade incontornável.
Meus caros senhores, o pintinho toma o seu café de manhã. Ritualmente. E na vida, podemos contar com a sua presença inexorável e com a sua disponibilidade imensa. Mas de tudo isto não retirem a ideia de que é um bota de elástico, um indivíduo previsível e sem rasgo. Nada mais longe da verdade. É que o nosso herói encontra nos rituais o seu chão, o plano onde assenta firme um conjunto de valores futebolísticos e humanos.
É com essa âncora bem firmada ao real que ele se liberta. E naquela estreita e verdejante faixa de 3 por 100 metros, o Pintinho, meus senhores, sobe aos píncaros do sonho e liberta nos olhares da sua gente instantes de pura arte ou disparate. Por lá passam em breves 90 minutos, um jovem Best procurando eternamente mais um drible e mais um gole ou o velocista Ntsunda trocando a baliza pela linha de chegada.
Meus senhores, fazem falta mais homens como o Pintinho. Extremos. De extremos. Sem medo de arriscar e sem receio de se oferecerem aos seus, subindo ao topo da montanha da glória e de lá caírem a pique na fogueira atiçada pela turba ingrata.
E domingo lá estaremos. Pela manhã um café, ritualmente. Pela tarde, uma arrancada, um drible, um cruzamento e tudo corre bem.

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